Além do seu ninho

Caldas/MG - Casas antigas que não existem mais

Por Marcos Almeida

Parece ser raro encontrar pessoas flexíveis, com a escuta ativa e coração acolhedor. E há uma complexidade enorme no caos da comunicação assertiva e afetuosa, que podemos comparar com a respiração humana, uma permuta entre o corpo e o ambiente. Podemos dizer, inclusive, de corpo e alma com tudo o que nos cerca. Não é somente a entrada de ar pelas nossas vias aéreas. Inalação, troca gasosa e exalação, assim aprendemos. A maleabilidade e a amabilidade são complementares e também podem ser apreendidas como em um fôlego profundo que nos faz aliviar qualquer dor que tenhamos internalizado.

Porém, muitas vezes, somos tomados pela sensação de autossuficiência e, colocando de lado tudo o que recebemos gratuitamente na vida, para impor as nossas certezas e supremacias. Uma discussão pode ser o obstáculo de confirmarmos em nós a subjugação dos que nos questionam. Seriam as nossas narinas que parecem estancar a entrada do oxigênio, liberando apenas resíduos amargos em forma de palavras ásperas, ressoando a insensatez do ódio? Gostamos de prejudicar todo nosso metabolismo, derrubando toda a energia necessária para trazer mudanças de atitudes e comportamentos, destruindo qualquer forma de diálogo?

Tudo isso pode ser abrangido como permuta. E permutar, neste raciocínio um pouco enigmático, exige a capacidade de mudança, transição e renovação. Um casal vibrante em seu relacionamento reverbera todo o sentimento em pequenos gestos, como o caminhar de mãos dadas. Um puxa o outro só quando é necessário, com respeito mútuo pelos passos de cada um.

Milva e Marcos

Padre Júlio Lancellotti, em sua homilia do dia 24 de agosto de 2025 (disponível no YouTube), trouxe a seguinte reflexão: “Mudar não é fácil. Nem mudar de casa é fácil, que dirá mudar o comportamento ou a nossa maneira de pensar. Se nós fizermos um inventário e procurarmos inventariar, quais são as ideias que nós mudamos? Nós pensávamos de um jeito e agora eu penso de outro. O que que transforma a mudança em nós? E os estudiosos da psicologia dizem que é muito difícil um adulto mudar de comportamento. Porque mudar dá impressão de fraqueza. (...) A maturidade não está na imobilidade e na não transformação do pensamento, do comportamento, das atitudes.”

Somos livres para pensar. Deixar o nosso pensamento refém de influenciadores, acaba nos escravizando por um senhor que não é o nosso livre-arbítrio. O comportamento, vindo dessa manipulação, nos impulsiona para as atitudes que podemos, em nosso íntimo, não estarmos de acordo. E nossas atitudes são como os outros nos enxergam. Se não cuidarmos, lá na origem, das nossas motivações, acabamos por nos perder. E o poder de mudar para melhor deveria ser uma disciplina constante de cada ser humano que, categoricamente, é racional. E também, perturbação.

Atentos à canção “Pais e Filhos” de Renato Russo, Dado Villas Boas e Marcelo Bonfá, tantas vezes cantamos juntos: “já morei em tanta casa que nem me lembro mais”. Se fizermos a analogia da casa com o pensamento, quantas vezes mudei, ou, me mudei? Ou fui forçado a permanecer estático? A letra dessa estupenda poesia, continua, com a seguinte observação: “eu moro com meus pais!”

A nossa morada atual, podemos intuir, não precisa desprezar nenhuma das anteriores. Afinal, ter belas recordações de onde viemos, é o que pode gerar emoção que possa desarmar nosso espírito. Quantas crianças não vieram à luz pelas mãos de parteiras, na casa de sua família? Ou mesmo, em hospitais e maternidades, acolhedoras, com pessoas preparadas para receber a vida nova? Seria um ser vindo de um útero, primeira morada, que nos acolheu e alimentou. Mas, qual vivente poderia não desejar se mudar deste pequeno mundo-casa para a imensidão do universo?

Quando muitos não têm a oportunidade de conhecer além do seu ninho, outros se recolhem para não bater as suas asas. Dormente e cansado, fugitivo de batalhas, acostuma-se com a fúria daqueles que investem no que hoje são compreendidas como narrativas, tantas vezes, asquerosas e mentirosas, envolvendo a opinião pública para dar conforto àqueles/as que preferem a prostração. Seguir para não ser perseguido.

Diálogo

A consciência crítica, portanto, passa de um nível simplesmente perceptivo, o que pode nos induzir ao erro, mesmo quando os acontecimentos nos incomodam, para um nível racional, quando tudo se conecta, com suas causas e consequências. Mas, como já vimos, tudo depende da prática, ou seja, sair da teoria, enfrentar os medos de descolar da placenta materna e ir ao encontro da verdadeira resolução de problemas. Por isso, nossa mente precisa ser nossa aliada no que podemos entender como dialética, que seria de uma forma simplificada, refletir e agir, para novamente refletir e continuar agindo.

Em síntese, se queremos mudar, precisamos deixar de replicar, repostar e repetir – ainda mais quando são pensamentos insanos e notícias falsas. Podemos muito mais: refletir, ressignificar, repensar, reagir, repartir!




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