Trilha e trilho: a última letra!

Por Marcos Almeida

Em muitas conversas que tive na vida, com amigos e até desconhecidos, em alguma viagem de ônibus ou a caminho para a faculdade nos anos 1990, vezes em uma esfera mundana e sem pretensão de aprofundamento, outras em meio a situações que nos encurralam sobre nossas certezas. Poderia ser uma questão que aflorasse uma crise ou uma escuta atenta favorecendo a superação de problemas fantasiosos, com a sintonia que traria uma nova visão para a continuidade da trajetória que, há pouco, foi iniciada.

Serra da "Travessia!"

Quando comecei a entender a força do diálogo, após as dificuldades enfrentadas na adolescência, como todo ser humano, segundo os especialistas, a complexidade de cada passo que arriscava, um tanto à parte do que antes teria traçado, nasceu pra mim uma nova autoimagem. Seria a oportunidade do olhar de fora, partindo da observação de um certo interlocutor, trazendo um ganho emocional e a conquista a partir de um novo caminho.

Pedra Branca - Caldas/MG - 2014

Uma pessoa nascida em Caldas/MG ou que teve a chance de viver neste canto que encanta, provavelmente pensou em fazer alguma caminhada por suas belezas. No meu caso, muitas trilhas, aquelas mais comuns e até algumas desafiantes. Uma trilha, por exemplo, na roça do meu avô, era só seguir por onde o gado passada pisoteando o mato; também, sair da igreja do Rosário em direção ao rio Soberbo, no “areião” ou no “bacião”; mais distante um pouco, no rio Verde, até a Cascata Antônio Monteiro; transpor a imponente elevação que protege a cidade, nominada em meu coração como a “Serra da Travessia”.

Sobre essa última, certa vez, animei a fazer um passeio, saindo do centro com o Marcos Ferraz e mais um amigo, em direção ao sítio da família dele. Foram duas horas de caminhada na toada de quem estava acostumado. Passei por alguns perrengues por não estar em uma boa condição física. Seguimos por estrada, depois alguns atalhos e picadas, adentrando em outra estrada. Margeamos bosques, varamos cercas e vencemos alguns pastos com a vegetação mais alta. Carrapicho e picão até nos cabelos faziam-nos rir. Agora, percebo a importância de todo o ecossistema que envolve esse planalto fantástico, mesmo que possa nos incomodar, sendo eternamente embebido nas águas formadas desde o cume dos morros, alimentando toda essa cadeia de vida.

A minha inquietude em torno da palavra trilha veio muitos anos depois, quando no trabalho, surgiram as famosas “trilhas de aprendizagem”, uma forma de orientar os principais passos para o desenvolvimento profissional e, porque não, pessoal. As rodas de conversa trouxeram para a minha essência a diferenciação entre trilha e trilho (do trem), caminho único e específico para um meio de transporte que leva e traz quem pode pagar ou viaja escondido (como se vê em filmes). A primeira opção é cômoda, a segunda aventureira e arriscada. A trilha, diferente, faz-se normalmente em trilhas, no plural, que surgem entre bifurcações e reencontros, sumindo em alguns pontos e reaparecendo adiante, deixando nossos passos confusos, exigindo mais coragem ou humildade. Posso seguir, mas posso voltar e refazer o trajeto. Existem, ainda, situações de apenas uma opção, dependendo do local a ser superado, como a crista de uma serra, onde em ambos os lados encontramos o precipício. Cada um pode visualizar diversas opções para outros inimagináveis.

Trilheiros rumo a Pedra Branca - Caldas/MG

Se estamos sobre o trilho, em um vagão, sentando em uma poltrona, podemos ter ao nosso lado um(a) companheiro(a) estático(a) e vários outros ao nosso entorno com pouco chance de interação. A menos que façamos parte de uma turma animada que vivi entre São Lourenço e Soledade de Minas, com alguns violeiros e cantadores envolvendo os viajantes.  Mas nesta máquina, somos transportados acima de perfis de aço laminado e dormentes. Um carretel de vagonetas, com tantos outros acoplados a uma locomotiva, seguindo no mesmo sentido, sem a viabilidade para qualquer adaptação. E que fique claro, que como mineiro, acho maneiro estar nesta cena, pois ser passageiro, saindo de uma estação e tendo outra como destino, foi inspiração para tantos poetas.

Tiradentes/MG

Andarilhar, porém, amplia, repercute e liberta corpo e alma. Por isso, desde os meus vinte e poucos anos, fui ao encontro da majestosa Pedra Branca, que dispensa comentários. A jornada noturna da minha primeira vez, saindo por volta da meia noite da praça central, com uma turma diversa de jovens, sonhando em ver o nascer do sol sobre o maciço rochoso com uma altitude de cerca de 1700 metros. Um espetáculo jamais esquecido, contorcendo em um frio de julho, congelante, mas que recompensou cada passo daquela experiência. As passadas de ida e de volta. Subida e descida, tropeções, escorregões, contemplações e muito mais!

Minha saudosa mãe dizia: “casar e ir até à Pedra Branca, só uma vez na vida!”

Mas, graças ao Criador, fui convocado a retornar, com esposa, filhos e amigos. Casado apenas uma vez, por sinal, o ditado da Pedra Branca, na minha vida, quebrei a regra. Cada ocasião, trilhando sob uma nova perspectiva. Com auxílio de uma vara encontrada no caminho, mochila com as provisões nas costas, um dando a mão para quem precisava de um galeio, chegando juntos ao ponto mais elevado, tudo isso comprovando a diferença entre trilha e trilho. E não apenas a última letra de cada palavra.

Início subida maciço da Pedra Branca - Caldas/MG

Educamos nossos filhos, reflito neste momento, com base nestes experimentos de trilhas e trilhos, pois um complementa o outro. Se podemos ensinar, através do exemplo, os nossos rebentos, é fundamental acolhermos a reciprocidade que, gratuitamente, nos ofertam e, muitas vezes, nem percebemos o quanto absorvemos deles. Talvez, toda essa beleza que vemos tenha um significado mais amplo quando nos deparamos com a beleza da nossa família, inserida em uma imensidão de vida avistada em trezentos e sessenta graus.

Infelizmente, a visão de cima da nossa grande rocha mudou exageradamente do antes para o agora. Feridas na serra pela mineração e sabe-se lá o que mais. Entretanto, felizmente, muita gente chegou no município e no bairro pensando em preservação. É a água, são as árvores e os animais, mas principalmente o ser humano que precisa desse conjunto muito mais do que o inverso.

Quem teve a oportunidade de deitar sobre essa pedra e olhar para o firmamento, enxergar os astros que partilham a luz necessária para existirmos em harmonia, nos dá a certeza, talvez, com uma ponta de dúvida, de que ainda vale encontrar uma outra trilha que possa nos conduzir ao equilíbrio do que conquistamos com o que perdemos, visando sua recuperação. Daí, só falta, encantar novos trilheiros, experimentando e respeitando a dinâmica de tudo que envolve o verdadeiro rumo!

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