Recordação de uma Festa - Senhora do Patrocínio

Matriz N. Sra. Patrocínio

Por Marcos Almeida

Mais uma festa em Caldas/MG neste agosto, mês da assunção de Maria, homenageando-a sob o título de Senhora do Patrocínio. Vivi tantas de perto. Outras, um tanto longe. Mas viver a fé com a Mãe de Jesus não há local nem espaço que nos impede sermos acolhidos.

Em algum ano, por ocasião das festividades, por volta das quatro horas da tarde, chegando perto da igreja do Rosário, pude ver de longe uma grande quantidade de pessoas das comunidades rurais e muitos conhecidos dos tempos de juventude. Só de me aproximar da minha gente trouxe-me uma forte emoção com a certeza de estar no lugar certo. O sol do inverno acaba queimando ainda mais e aos poucos ia procurando a sombra da capela para não desanimar da espera. Assim pude me surpreender com o jovem vigário cumprimentando um a um pela praça, sem a preocupação de iniciar a procissão na hora marcada, mas trazendo a amizade de Deus nas suas mãos consagradas que apertavam as dos fiéis. Eu, com os meus pensamentos, percebi que aquele pastor sentia o amor do Criador de volta pelos sorrisos recíprocos.

Cada um espera a procissão ao seu modo: uns adentram à casa de Deus para começar as suas rezas; outros, para descansar as pernas; os que são como eu, ficam do lado de fora revendo os amigos, acenando de longe ou abraçando os que há muito não encontrava. Pergunta-se como está a família; ouve-se as histórias alegres e sofridas; recorda-se outros tempos onde o tempo era outro. Observando os mais velhos, assustamos com as mudanças perceptíveis mormente pelos cabelos grisalhos, confirmados pela fé que não esmorece. Certamente, muitos se espantam também com as minhas mudanças, em alguns momentos buscando na memória para me reconhecer.

A procissão começou quando surgiram os diversos padroeiros das muitas comunidades que Caldas possui, um a um pela porta principal: Santo Antônio, São Vicente Ferrer (de Pocinhos do Rio Verde), São Pedro, São João Batista, Santa Bárbara, São Sebastião, Nossa Senhora Aparecida e das Graças e muitos outros que não consegui nomear. Andores humildes, do jeito que o povo da roça também é. Flores do campo adornavam os pés dos santos e santas. O cuidado no revezamento dos ombros fortes sob o andor, pelas ruas de paralelepípedos que resistem firmes e rumando para a Matriz da Querida Padroeira. E com a sua imagem fechando o cortejo que nos relembra e reforça histórias de entrega pela causa do Amor.

O povo segue rezando e cantando. O megafone ecoa com as vozes, ora do padre, ora de leigos. São cânticos que trazem lembranças maravilhosas para todos que puderam vivenciar tal veneração. Passando pela praça, cerca de quinhentos metros separam o templo da Senhora do Rosário da Matriz do Patrocínio. Uma torre de frente para a outra. Não me recordo de ver alguma cidade com esta característica, tendo um jardim tão extenso para acolher pessoas de todos os cantos. Propositadamente, sigo próximo do fim da procissão para observar a quantidade de pessoas que eu não consegui contabilizar, onde pude constatar diversas cabeças inclinadas a suplicar e a agradecer: "Sob o vosso patrocínio nos colocamos Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos perigos. Oh Virgem gloriosa e bendita". Esta é a oração que sempre me acompanhou nos bons e maus momentos. Mas especialmente durante as novenas da Mãe das Bodas de Caná: "faça o que Ele mandar"!

Chegando à Matriz, fogos assustam alguns fiéis desavisados. Acabamos dando umas risadas pelo imprevisto e logo nos concentramos novamente na súplica. A subida pela porta principal vai ajuntando o povo ainda mais e o cântico continua firme e forte: "Senhora Nossa, nosso patrocínio. Oh Mãe de Caldas, Virgem Tutelar"!

Comecei a observar que a emoção tomava o semblante de homens e mulheres. Eu senti um nó na garganta. Uma lágrima rolou de alegria por estar no lugar onde fui batizado, crismado e que com minha esposa realizamos o laço matrimonial, depois de tantas penitências e comunhões. Tem lugar melhor para se emocionar? Vi que outros jovens, adultos e idosos também se emocionavam. Vi uma criança inocente colocar a sua mãozinha na imagem de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores que estão no fundo da igreja. Em seguida, o que ele mais queria era ficar na escada que dá acesso ao sino que o querido Zé Côco tão bem sabia entoar. Digo isso, pois em Caldas o sino não é badalado, mas sim entoado, de acordo com a celebração. E dia da Padroeira é dia de festa!

E a igreja ficou pequena para tanta gente. Alegria! Viva a Mãe de Cristo! Palmas!

O pároco sabiamente acolheu o povo com uma simpatia dizendo: "agora que acomodamos a santaiada, vamos iniciar a celebração com muita alegria!"  E os que ouviram, riram... Segundo o sacerdote, vinte e quatro comunidades fazem parte da paróquia. Bom estar em casa e sentir que os irmãos na fé acolhiam uns aos outros com um balançar de cabeça, um sorriso e mais apertos de mão. Senti parte de uma Igreja Viva.

E o mais tradicional: continuavam as crianças falantes e agitadas pela pureza de coração; idosos piedosos; jovens casais entusiasmados com o momento vivido; adultos entregando o fardo para Jesus; e a fraternidade pela perda de entes queridos...

Por ter tanta gente no templo, fiquei por instantes na porta principal e pude observar durante a oração eucarística a fé de um homem simples e humilde chamado Luiz Narcizo. Com o seu chapéu na mão, rezava como ninguém. Respondia cada invocação introspectivamente. Não olhava pra ninguém. Entoava todo cântico sem tirar o olho do chapéu, como se fosse o seu objeto de devoção. E não perdia uma só palavra do que o sacerdote dizia. Deus acolheu cada prece sua e repartiu para todos os devotos de sua Mãe, ali, presentes e distantes, pois ela não se esquece do filho e da filha mais humildes.

O fim da missa trouxe ainda uma fila de lindas crianças para uma bela coroação. Como é bom ver que tudo isso aconteceu como em tantos anos. É a tradição festiva, solene, amorosa e em busca da paz!

Após as despedidas, a festa ao lado do antigo Palácio da Uva estava preparada. Bingo e barraquinhas, com tanta gente boa trabalhando em prol da diversão dos paroquianos e visitantes. Canjiquinha, canjicada, pão com pernil, pastéis... Tudo “sem frescura”. E o mais gostoso, reencontrar velhos amigos, da roça e da cidade, relembrar histórias, dar risadas e fazer novos planos. Saber que, quem é de Caldas, não perde a amizade nem depois de mais de vinte anos sem se encontrar. Ouvir as alegrias de líderes comunitários que, com muita dedicação, fizeram a diferença na vida do povo, rezando pelas vocações, sendo voluntário em diversos serviços e encontrando a felicidade na conquista dos filhos, na continuidade da vida através os netos que alegram o seio familiar. Tudo isso é abençoado por Nossa Senhora do Patrocínio! Tudo isso é abençoado por Jesus, seu Filho, nosso Irmão e nosso Salvador que vive e reina por todo o sempre! Amém!

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