Zé do Correio, um pai extraordinário!

Por Marcos Almeida

Outro dia, sonhei com o meu pai! Ele faleceu em 30 de dezembro de 2008, após um Natal especial em família. E foi como ele queria: de forma rápida. Sem mais nem menos, pediu para minha mãe registrar um jogo na lotérica. "Mega Sena acumulada... quem sabe?" Questão de meia hora ela voltou e... Apesar daquela dor da perda, hoje a recordação do corintiano mais querido de Caldas é muito boa por todos de nossa casa. Também pudera: “Zé do Correio, caboco feio, caiu do arreio, no campo do meio, meio “disgueio”...” era o seu jeito de se apresentar para as pessoas que apareciam em seu caminho. Como deixar uma marca triste após ultrapassar o seu tempo nesta terra?

Desde muito cedo aprendi com ele a importância da alegria na vida, pois em muitos momentos enfrentamos, como toda família, situações complicadas tanto na economia como na convivência. Nada que o bom humor não desse conta de tudo isso. Quando ele fazia o seu carinho peculiar de apertar a orelha com os dedos indicador e médio, dava a certeza de que tudo terminaria bem. Detalhe: ele apertava a orelha da gente e ao mesmo tempo pressionava a sua língua entre os dentes. Isto era fantástico e eu acabei sendo contaminado com essa mania.

Esta figura fantástica apareceu em Caldas, mais especificamente, em Pocinhos do Rio Verde, para trabalhar como telegrafista no posto de Correios que ficava no antigo Hotel Pontes da rua D’Ambrósio, viela que margeia o nosso Rio Verde, bem próxima ao parque do Balneário Dr. Reinaldo de Oliveira Pimenta. Rio que separa a rua da escola Paiva de Oliveira, onde estudei por três anos, no primário. Telegrafista era o operador do telégrafo, aparelho fundamental para a comunicação em um tempo onde o telefone era para poucos. A telegrafia foi muito utilizada pelas corporações militares e utilizava o código morse. O americano Samuel Morse foi o inventor desse “sistema de comunicação” na primeira metade do século XIX. Mas Pocinhos não entrou no mapa da guerra por receber este profissional da mensagem, acolhendo somente um novo amigo que fazia muita gente dar risada com suas “tiradas do cotidiano” junto aos turistas e moradores do lugar.

Porque não dizer que desde que chegou à terra que o adotou com muito carinho, fez muitos amigos entre os goles de uma branquinha e outra. Deixara sua mãe em Piumhi, sua terra natal, e praticamente toda a sua “parentaia”. Após alguns poucos anos conheceu minha mãe, Ivete, filha do Zé Cândido e dona Cida, casal do bairro Pedra Branca, que também tinham uma casa que ficava próxima ao paço municipal. Sempre muito engraçadinho, abordou aquela jovem quinze anos mais nova, convidando-a para “fazer a avenida” com ela, ou seja, para acompanha-lo caminhando pela praça. Naquela época, as meninas caminhavam no sentido horário e os rapazes no sentido anti-horário para que houvesse um encontro. Às vezes, ao contrário. Mas o importante era perceber o movimento. A jovem Ivete, de imediato, descartou. Imaginou: “deve ser casado!", pois um homem maduro, caindo de maduro, era de se estranhar naquela época. Falou para amigas que certamente seria um “fósforo riscado”. Mal sabia ela que viria a se tornar a sua companheira por 43 anos de vida conjugal.

Eles se comprometeram no altar de Nossa Senhora do Patrocínio em 8 de maio de 1965 e tiveram um casal de filhos: eu e minha irmã Renata. Diziam as más línguas ou os que não sabiam fazer as contas de uma gravidez que eu "fui feito" antes das núpcias. Era muito engraçado isso, pois meus pais até levavam na esportiva. O galanteador dizia: "antes tivesse feito esse bebê de ‘proveita’, mas o Zé Cândido sogro deixava a espingarda de jeito". Após o enlace, foram morar em Pocinhos do Rio Verde. E em nossa casa pude ouvir desde cedo muitas coisas boas e engraçadas.

Ele sempre me contava algumas farras que fazia com vários outros praticantes deste esporte milenar: "levantamento de copo". Uma das mais marcantes foi no período em que funcionava o bar do Dudu Tambasco, famoso por ficar ao lado do hotel Santa Rita, que era de sua propriedade também. Seu Dudu era casado com a dona Neguinha e se tornaram grandes amigos de todos.

Pocinhos sempre apresentou nos verões chuvas fortes, especialmente àquelas que surgiam das trombas d’água na cabeceira do rio que mencionei acima. Havia, como ainda hoje, uma ponte para os veículos trafegarem e passarem do lado do hotel para a rua da minha antiga casa. Porém, naquela época, havia também uma pinguela que cruzava em um terreno que fica ao lado da escola. Meu pai, após amenizar a chuva, seguiu rumo a nossa casa. Porém, por estar embriagado, passou sem ver pela entrada que daria na ponte maior e acabou seguindo rumo a pinguela. Naquele momento, a chuva que estava mansa em Pocinhos, havia aumentado o volume em grandes proporções e a correnteza do rio que gerava insegurança. Mas, chegando ao início da pinguela firmou o rumo e foi “andando sobre as águas” que passava alguns centímetros acima do nível das madeiras e em poucos segundos chegou à outra margem. Ao olhar para trás, só viu as tábuas e a estrutura da já inexistente passagem rolando por entre a enchente. Como dizia ele, foi por Nossa Senhora das Graças. E isso, sem ele perceber que minha mãe, naquela época com uns 20 anos no máximo, via tudo de longe sem nada poder fazer a não ser rezar.

Onde é o Hotel Ipê em Pocinhos foi uma adega

Muitos outros fatos marcaram o meu imaginário que com certeza fazia o meu pai um super-herói para mim. Mas muito mais que suas peripécias, o fato de brincar comigo no chão da sala daquela casa de número 123, com piso de taco muito bem encerado. Naquela casa também, me recordo bem, tinha uma cabine telefônica onde era guardado alguns cobertores. E gostava muito de me esconder e pedir para os meus pais me procurarem. Nesta sala também, foi onde o meu pai quase morreu de susto quando me levantou ainda bebê e acertou a minha cabeça em uma viga baixa que separava da copa.

Com o passar do tempo, mudamos para Muzambinho onde o telégrafo ainda reinava na comunicação, mas por pouco tempo. Seis meses depois, os Correios mudavam suas estruturas e ofertou a possibilidade de aposentadoria antecipada. Retornamos para Caldas, onde esse grande pai se orgulhava de seus filhos e nos incentivava a crescermos como pessoas.

Também tive o privilégio de participar da política em Caldas ao lado dele, apaixonado pelas causas sociais. Inicialmente, Zé do Correio acompanhava Tancredo Neves, militando no antigo MDB de Ulisses Guimarães; depois, participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Caldas e pode contribuir com sua garra e alegria para que nossa cidade tivesse uma terceira opção. Mas, o medo de um “comunismo” sucumbiu muitos sonhos em nossa cidade. Mas isso, é outra história.

Zé do Correio e Mel

Zé do Correio gostava de ler jornal, torcer para o Corinthians e para o Atlético Mineiro (galo, galo, galo), brincava com todos que passavam pela rua de sua casa, chamava desconhecidos para “tomar um trago”, comprava frango assado aos domingos na Bodeguita, amava os netos, e não desgrudava da nossa cachorrinha Mel. Era um ser humano que nos abraçava com o seu olhar.

Alguns meses antes da sua partida, talvez sentisse que o momento se aproximava, viveu ainda  mais a alegria, aguardando sempre seus filhos e famílias para um fim de semana de convivência que jamais esqueceremos.

Um grande abraço, Pai!


Comentários

  1. Lindas memórias cheias de emoção e reflexão! Sinto-me honrada de participar de parte dessas histórias como sua irmã mais nova e filha de um homem extraordinário e único.

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    1. Privilégio nosso ter vivido com nossos pais!

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    2. Família linda e abençoada.🙏🌹

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    3. Obrigado! Veja também as outras publicações do blog!

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  2. Que gostoso,ler essas recordações!!

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    1. Que bom que gostou! Se quiser se inscrever no blog para acompanhar as novidades, ficarei lisonjeado!

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