As cercas de bambu

Por Marcos Almeida

Meus tempos de menino, como tantos meninos e meninas que tiveram a oportunidade morar em casas simples, na roça ou na cidade, ou ainda em um lugarejo perto ou longe, tudo sempre era muito acolhedor. Ainda hoje, nos bairros mais populares, defrontamos com cenas das quais alguns de nós vivemos na infância, sem os muros que circundam os nossos "casulos" e sem as escadas e elevadores que dão acesso aos "apertamentos". Dias atrás, passando por uma estrada vicinal, vi uma molecada toda faceira, numa sujeira só. Eram vários e todos empoeirados e alegres correndo descalços, brincando de pique-pega ou apostando corrida. Sabe-se lá se algum daqueles serelepes não estariam com o dedão arrebentado - ou como dizíamos, sem tampa - diante das pedras soltas daquele chão?

Vendo os pivetes brincando, diminui a velocidade do carro para perceber alguns detalhes. Vi algumas moradias sem reboco; outras somente no chapisco, acinzentadas, mas com janelas coloridas no capricho. Algumas delas com cortinas surradas e floridas, escondendo a intimidade do lar. Uma mãe, na porta da casa, talvez aflita por olhar a sua caçula toda descabelada correndo solta pela estrada, gritava o famoso "volta aqui". E entre as taperas, bem como entre elas e a estrada, as cercas de bambu marcavam cada divisão. Todas construídas com muito capricho: cada bambu, cortado cuidadosamente ao meio, a parte côncava propositadamente virada pra casa e a convexa voltava-se para quem passava do lado de fora. Assim, quando nova, aquela trama de fibras era toda verde do lado da estrada e aos poucos ia amarelando com o sol e chuva. Um dia, estaria toda acinzentada.

Em Pocinhos, morei na Rua D'Ambrósio. E a divisão com o vizinho era de bambu. Pelas suas frestas a luz transpassava. A demarcação era a maneira de estabelecer o cuidado que cada lado precisava ter. Um limite. Havia, entretanto, um portão do mesmo material, cuja tranca era apenas um pedaço de arame, ou mesmo um cadarço velho, para não ficar aberto o tempo todo. Por ali as vizinhas trocavam farinha de trigo por açúcar, pó de café por manteiga fresca. Havia um cachorro do lado de lá que ficava em um cercado à parte o dia todo e somente mais tarde, perto da noite, era solto para que não corresse atrás de nenhuma criança desavisada. E me recordo também de uma ninhada de gatos.

Aquela casa também fazia vizinhança com o rio; do outro lado da margem, o redemoinho que dava medo na molecada, bem abaixo do barranco que ficava atrás do hotel Rio Verde. Não havia nenhuma precaução física; somente o juízo - ou pouco juízo, sempre alertado nas palavras e safanões das mães que amedrontavam os filhos em função dos pesadelos que tinham, bem alimentados quando alguém chegava noticiando algum afogamento. A força vinha da fé, pois logo corriam aos pés da santinha protetora, acendendo uma vela, para não deixar nada de ruim acontecer a nenhuma criança do trecho.

À frente da casa havia um muro de alvenaria, bem baixinho, com seu portãozinho, só para não entrar cachorro, que dava para a rua de terra. Um grande degrau para evitar as jararacas que corriam pelos matos próximos. E mais adiante, ao atravessar uma rua de seis ou sete metros, o rio. E também uma pinguela (para quem não conhece, uma ponte simples feita com dois grandes troncos e tábuas sobrepostas, muitas vezes sem corrimão) que nos levava aos fundos da escola onde frequentavam os estudantes não só das ruas próximas, mas também da redondeza. Vinham meninos e adolescentes do Capão da Égua e do alto da serra, onde morava o seu Bentão, da estrada do Taquari, das terras do seu Jordão no caminho para Caldas, entre outros lugares. E aquele que se apresentava "metidinho" logo descobria que ficaria isolado ou iria receber alguns safanões de alguns dos guris que andavam descalços, mas que tinham uma força de quem estava acostumado a fazer trabalho pesado em suas casas, como capinar, cortar lenha e roçar pasto. Naqueles dias, qualquer um poderia entender que a vida não era fácil para a maioria das crianças que, de vez em sempre, evadia facilmente das tarefas escolares pelos compromissos na roça que geravam subsistência das famílias. E também pela distância a percorrer diariamente. Transporte escolar na década de 1970? Nem em sonho ou na garupa de uma égua velha.

Casa subindo para a serra do "Bentão" - Pocinhos

Até a escola era cercada em um dos lados com uma velha cerca de bambu, pela qual atravessávamos por um buraco feito cuidadosamente pelos estudantes, só para não ter que dar a volta e entrar pelo portão da frente. Economizávamos uns 30 passos de criança; porém, era necessário dar um belo salto para atravessar o tal do buracão, ou seja, uma vala de mais ou menos uns 50 centímetros de largura e um metro de profundidade, que delimitada a área por mais ou menos uns 30 metros de cumprimento. Ali começávamos a entender na prática a matemática, a física, a química, além de outras matérias mais avançadas como negociação e economia, pelo fato de exercitarmos a persuasão aos demais, a vantagem de se chegar mais rápido, mesmo correndo o risco de cair no buraco.

Mas voltando à rua D'Ambrósio, lembro bem das utilidades do cercado: para as mães, servia para amarrar um arame no mourão de sustentação até uma laranjeira fazendo um belo varal para secar as roupas; os tecidos mais pesados e grosseiros, como as calças rancheiras e até os panos de chão, a própria cerca servia. Para os moleques, quantas vezes, foi esconderijo para não ser percebido na hora do pique-esconde, apesar de não ser muito eficiente. Mas a imaginação infantil tem o poder da invisibilidade. Essa certeza eu tinha e nunca contestei, mesmo sendo descoberto tão rapidamente após o "trinta e um de abril, lá vou eu". Depois, no verão, pegávamos aleatoriamente alguns bambus para construirmos as arapucas e tentar caçar alguns sabiás que vinham visitar os pés de frutas. Surrupiávamos das mães barbantes ou linhas para amarrarmos no gatilho da arapuca. Esperávamos os desavisados passarinhos. Tentávamos ficar bem escondidos. Quase nunca dava certo, pois ninguém ficava quieto e um minuto de espera era o mesmo que perder o dia inteiro. A bronca vinha mais tarde quando uma das mães percebia a arte com a falha na cerca e uma armadilha perdida no meio da horta. E era fácil de justificarmos que concertaríamos no dia seguinte buscando o material no bambuzal no balneário, cortados a duras penas com pequenos canivetes ou facas de cozinha praticamente cegas. O transporte virava outra farra, pois os riscos pelas ruas de terra deixavam a imaginação ainda mais fértil. Daquela tarefa surgia o projeto de construir pipas (conhecíamos como papagaios) com pequenos filetes "lapidados" cuidadosamente com os canivetes, após diversas farpas (ou ferpas) enfiarem por entre a unha e o dedo do pequeno artesão.

O fundo do terreno das casas dava para o Morro do Galo e a proteção natural era o mato que entrelaçava com qualquer material que fosse colocado. A subida íngreme impedia qualquer movimento morro acima ou abaixo, a não ser pela trilha que levava ao cume onde até hoje encontra-se uma igrejinha. O capim gordura imperava naquele lugar. Uma vez, vi aquela vegetação ser eliminada por um incêndio que causou preocupação em toda a vizinhança. Os estalos ouviam-se da escola. Quando me aproximei de casa nem pude entrar. O calor era intenso. O vento ameaçava espalhar as chamas, chegando bem perto da nossa moradia. No outro dia, víamos o morro todo escuro. Mas nada melhor que o tempo e a chuva, que aos poucos iam reconstituindo a beleza do lugar. O cinza das cinzas que tomou conta após o fogo, dia a dia, dava lugar novamente ao verde – peculiar de Pocinhos do Rio – que surgia do chão duro e pedregoso.

Sei que não é de hoje que o bambu é utilizado no mundo todo. É uma planta servidora e sustentável. Não tem preguiça de crescer e se é cortada renasce com maior vigor. Se lembrássemos que foi tão útil em tantas vidas e histórias poderia nos ajudar a perceber quantas pessoas simples e humildes foram importantes em nossas vidas. Eu me recordo do Biguá e do seu Tião Ferreira que limpavam as ruas do lugar, com vassouras com estrutura e folhas de bambu, para que os turistas e moradores se sentissem bem. Serviam e, talvez, pudessem ser invisíveis para a maioria dos que fingiam não ver.

Quem é importante? Aquele que é digno de respeito e deferência; de forma pejorativa, pode ser aquele que é arrogante ou pedante. Mas o que importa não é o que falamos, nossas palavras, mas sim como fazemos os outros se sentirem, nossa acolhida, nossos laços...

Um cercado, como o que foi relatado, pela minha ótica, é digno de respeito pela sua forma singela e eficaz de construção, que não veda totalmente a visão e o espaço, e que cumpre sua missão. Tantos muros são construídos hoje, altos, intransponíveis, frios, belos, perfeitos, rebocados, praticamente indestrutíveis. São eficazes em separar, em delimitar o espaço que poderia ser "nosso", mas que escolho que seja "meu". Poucas histórias que aquecem o coração surgem dos muros; inúmeras nascem e florescem pelas cercas de bambu!




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