Ruas, rios e bolas: o ver-de Pocinhos!
Por Marcos Eduardo de Almeida (17-11-2015)
Bola: a brincadeira mais apaixonante da minha infância e de
muitos(as) marmanjos(as) de plantão. Ainda mais pelo fato que passei minha
primeira infância em Pocinhos do Rio Verde. E só pisando
na terra daquele lugar é possível entender. Se quase tudo está asfaltado atualmente
por lá, a rua da minha casa daquele tempo, a rua D'Ambrósio, que fica logo após
a ponte ao lado do parque do balneário, ainda é "rua de terra" quando
está seca e "rua de barro" quando chove (*). Pelo menos até o ano de
2015. Ainda sinto a poeira e a lama por entre meus dedos dos pés, quando não
descalços, rebolavam sobre pequenos chinelos de tiras. Mas, cada
passo fazia daquele pequeno paraíso tudo o que não era só para ver, mas sim
para viver com visão, audição, tato, olfato e paladar.

Rua D'Ambrósio - Pocinhos - 1972
Senhora (?), Renata, Marcos, Ivete e Vó Sabina
Antes de prosseguir com a paixão pela bola, quero enaltecer
primeiramente a letra "V", de visão, de verde, de verdura, de
verdade. Pocinhos tem de tudo um pouco. Mas principalmente verdade. É difícil
explicar o que quero dizer, mas vou tentar. Brincar com as palavras também é
divertido. Procurei a etimologia da palavra verde, do Latim viridis (o verbo é viridem), possivelmente derivado de uma palavra significando
“plantas que crescem”, próprio da sua natureza. Mas o que mais me chamou a
atenção foi que em antigo saxão (relativo aos sáxones, antigo povo da Germânia,
habitante da região próxima da foz do rio Álbis, atual Elba, e correspondente
ao atual estado de Holstein, ou indivíduo desse povo), tem relação com a
palavra grene que indicava tanto a
cor quanto coisas jovens e imaturas. Foi daí que veio o green que conhecemos hoje em inglês. Penso que daí a importância de
buscar entender o todo, os diversos ângulos. O galho verde é flexível e nesse
momento é que deve ser conduzido para o alto, com uma escora ou com a poda. Com
apoio ou com dor. O significado de verde também pode ser o contrário de maduro
tratando-se de uma fruta. Desde a infância gosto de abacate que mesmo maduro mantém-se
verde por fora e um cadinho amarelinho por dentro. Mas o ser humano também pode
ser verde ou maduro e, às vezes, infelizmente, podre. Aí todos sabem bem o que
isso significa, especialmente quando ouvimos que "ali existe tamanha
podridão".
| Rua D'Ambrósio - 2015 |
Portanto, em todos os sentidos, entendo que é ver-de Pocinhos, do rio Verde e também do rio Soberbo. E não podemos nos enganar quanto ao nome dado ao curso d'água diante da sabedoria dos desbravadores, pois tal palavra tem alguns significados, que destaco para o "soberbo": primeiro, "o que tem soberba; arrogante, orgulhoso"; porém, um segundo e mais abrangente para a nossa história, "que se encontra em posição mais elevada que outro; sobranceiro, altaneiro" (todas as pesquisas fiz pelo Google). Para entender as palavras, portanto, é preciso viver o verde, subir os morros e colinas para ver de onde vem o mais elevado que o outro. E humildemente desce por entre pedras e cachoeiras todos os nossos sentidos: vejo, ouço, respiro, umedeço e sinto.
| Rua D'Ambrósio - vista pela entrada |
Gosto muito de fotografar. Uma paixão da adolescência que perdura até hoje. Mas, a fotografia que mais me encanta é aquela revelada no meu íntimo que posso lembrar de cor, ou seja, de coração. Não foram poucas as vezes, antes da adolescência, que saía de casa - quando habitava em Caldas - dando a boa desculpa de jogar bola com os amigos e acabava andando cerca de sete quilômetros ida e volta, para chegar ao Areião e ao Bacião, no rio Soberbo. Sinto até hoje, quando caminho pelas ruas da cidade, o quanto era cansativo chegar e, principalmente, voltar daquele lugar. As pernas ainda eram um tanto curtas. Mas estando lá, chinelo de dedo e calção do tipo "seca rápido", eram os acessórios que ajudavam a chegar ao destino. A turma ficava completa perto da Santa Casa ou na entrada do Itacor Hotel após um chamar o outro disfarçadamente. E a criançada não via a hora de chegar. Uma bola de borracha seguia com a gente. Morro abaixo, tocando um para o outro às margens da estrada asfaltada que não tinha o movimento e nem os automóveis eram velozes e furiosos como agora. Tudo isso traduz a verdade que pude desfrutar apesar das traquinagens. Minha mãe, Dona Ivete, acabava descobrindo o que eu estava fazendo, sei lá como, pois, ela não era investigadora, mas se fosse teria uma carreira brilhante na espionagem. Quando eu voltava, percebendo o cabelo atrapalhado, mais que esbravejar, ela me dava conselhos afirmando que em todos os lugares o perigo estaria por perto. Dizia outras vezes: "juízo"! Certamente relutou em não proibir toda vez que eu dizia que iria brincar com a molecada ou quando saía de fininho. Certamente rezou muito para Deus me proteger. Aventurar-se nas águas de um rio pode trazer surpresas: uma tempestade, um galho boiando, um buraco no leito. A orientação correta, neste momento da vida, ajuda a fazer o verde ir amadurecendo aos poucos.
| Marcos, Zé do Correio, Ivete, Almir, Renata, Júlia e Otávio - 2004 |
A vegetação cobria o espaço que conhecemos como Areião. O sol quase não dava as caras. Somente por volta do meio dia, quando conseguia penetrar por entre as copas das árvores da mata ciliar. Normalmente chegávamos por volta das duas horas da tarde quando a claridade era filtrada pelas folhas das árvores e, sem ensaio, entrávamos no rio. Depois de meia-hora e com ânsia de mais aventura, sendo aquele lugar considerado para moleque "café com leite", adentrávamos pela matinha e subíamos para chegar até o Bacião. Lá sim era de dar frio na barriga. O sol rachava por lá. Os jovens mais experientes pulavam do alto da pedra de ponta cabeça. Era o famoso ponto. Eu queria aprender este salto. Mas por muito tempo não tive coragem. Aí eu observava os mais velhos. Via o jeito de colocar as mãos uma sobre a outra e o impulso que davam para não sentirem o famoso "tapa" da água na barriga. Atenção para cada movimento. Voltávamos do Bacião rumo ao Areião novamente, uns pulando, outros não - e eu por muito tempo, não. Muitos comentários sobre o jeito de saltar e o perigo de bater a cabeça ou afogar. O lugar tinha uma profundidade muito além do nosso conhecimento. Algumas histórias sobre afogamentos naquele local traziam um receio ainda maior de arriscar. O medo fez-me adiar por vários anos a entrada de cabeça nas águas daquela piscina natural, bela e perigosa. Quando a ousadia superou tudo, mesmo assim, medrosamente saltei, mas nunca perdi o respeito pelas águas. Na adolescência, na escola agrotécnica de Muzambinho, a diversão era em um açude em que me reencontrava com a saudade da infância. Nas férias, a preferência para se refrescar eram as águas da Cascata Antônio Monteiro.
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| Agricolinos de Muzambinho - 1982 |
Interessante pensar que o rio Soberbo e suas maravilhas só conheci depois que já morava em Caldas, por volta dos dez anos de idade, quando eu cursava a quarta séria na escola Souza Novais. Sim, nessa idade eu tinha pouco juízo. Eu e as crianças do grupo. Tive o privilégio de conviver com arteiros que não me deixavam parado. Por isso, ainda sinto que tudo começou com a vontade de brincar de bola com os amigos. Na falta de bola de borracha ou de capotão, descobri, primeiramente com o meu pai, que dava para fazer uma bola de meia. Era ótima para treinar. Meias velhas, com chulé ou limpa, que iriam para o lixo, poderíamos aproveitar para desenvolver um brinquedo que fazia a alegria imediata. E para o arremate, uma meia calça esquecida em algum guarda-roupas velho.
| Bons tempos - 2015 |
Depois da bola de meia pronta, a rua de terra que servia de campo também oferecia mais um pouco de matéria prima para dar um pouco de aspereza no contato dos pés descalços com a "gorduchinha". Uma pedra riscava os limites do "gramado" e outras quatro maiores demarcavam as metas (gols). Poeira, tampa do dedão arrancada, unha encravada, escorregões, carrinhos, bunda suja, tudo isso era o motivo, após a peleja, para dar dor de cabeça na vizinhança toda com tanta gritaria, para as mães esbravejarem e ordenarem: "vai tomar banho agora. E não dê nenhum pio"! Era a hora de parar. Mas sempre tinha um engraçadinho que simplesmente respondia: "pio, pio, pio"...
Mas haviam também as "fubecas" ou bolas de gude. A
perfeição de uma rua de chão (sem asfalto) e estas esferas de vidro combinam
até hoje. Dá pra jogar sozinho, em dupla ou de turma. Na escola também era uma
boa brincadeira na hora do recreio, a hora mágica de criar e recriar, pois
inventávamos mil maneiras de jogar com as fubecas. Podia fazer sol ou chuva.
Tudo era possível. E ali vivíamos a meninice de um lugar que perdura bravamente
com sua simplicidade e harmonia.
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| Chute: Bola de Meia |
Contando um pouco desses momentos inesquecíveis e inspirado pela música do grande compositor Milton Nascimento, ainda “há um menino, um moleque morando no meu coração”, fico sempre no desassossego ao pensar que Pocinhos do Rio Verde, minha casa, fez essa base que vem me dando a mão todos os dias.
E tudo o que Pocinhos, com seus morros e diversas pedras,
pode esperar de nós, da nossa geração, dos nossos filhos, dos nossos projetos,
é o que o poeta nos oferece como princípio:
"Pois não posso
Não devo
Não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal"
E se você luta por manter tal bandeira, eu quero lhe dizer
com toda veemência:
"Bola de meia,
bola de gude, O solidário não quer solidão!"
Então, vamos jogar bola de meia ou de gude pela vida toda? Vamos juntos?
(*) Atualmente, a rua D’Ambrósio está asfaltada.


Muito bom revisitar a infância.
ResponderExcluirTô achando que fiquei nela, pelo menos por aqui!
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