Se há desigualdade, só a paz inquieta!
Por Marcos Almeida
Cada um de nós acorda, a cada dia, alguns em qualquer
horário, com a possibilidade de encarar o desafio de simplesmente alçar de um
leito ou chão batido. Na desventura, viável seria pelo menos continuar abrindo
os olhos e tentar reencontrar forças por entre os medos e apelos externos. A
potência que, sabe lá de onde vem, faz com alguém que nada tem – mas sendo – em
comunhão com um contingente sem fim, sendo fragilizado por quem se utiliza e
naturaliza por um olhar condescendente (no sentido pejorativo, fique bem claro,
acentuando uma suposta superioridade, parecendo até paternal, com a arrogância
que dá náusea).
- Nossa!
Alguém pode interpelar, por vezes não compreendendo – e não
por culpa do receptor já que a obrigação da clareza é incumbência do emissor – as
palavras emaranhadas, outras tantas discordando por terem a vista através de
outro ponto.
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| Brincadeira de roda |
Pensando no momento do aprendizado da brincadeira de roda, na primeira experiência, onde uma certa criança recebe o convite, dependendo do seu contexto, pode até haver resistência em dar as mãos, especialmente se nunca teve o privilégio de sequer observar alguma atividade interativa. Até então, era colo, primeiros passos, alguns tombos, somente adultos amparando. O envolvimento com outros pequenos, a depender, gera o desconforto. Para entrar na roda é preciso abrir os braços, sentir o outro, gerar cooperação ao dar os primeiros passos, todos para o mesmo lado, respeitando e se envolvendo na velocidade orquestrada do movimento. Surge, de repente, a alegria de participar, de se estar na roda, múltiplas sensações. Aprende-se as cantigas na prática, ou seja, cantarolando na vivência. Havendo alguém com maior poder nessa diversão, que seja para inspirar ainda mais, rechaçando qualquer contraste antecedente de cada componente, no desassossego e no sorriso.
- Por que a gente cresce?
Ouvimos esse questionamento dos nossos filhos. E que bom,
pois tornou-se sinal da beleza da infância vivida. Infelizmente, outros podem
ter falado: “graças a Deus, não sou mais criança...”
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| Crescer dói? |
Crescer dói. Quando corpo, as dores do crescimento que se manifestam nas pernas durante uma noite trazem desconforto e preocupação. Nem todos enfrentaram esta situação ou não se recordam. “Apesar do nome, a dor do crescimento não tem relação direta com o crescimento ósseo. Trata-se de uma condição sem causa definida, que aparece geralmente à noite, sem deixar sequelas”, explica Bruna de Paula, pediatra (*). Existem outras dores, "d'ânima", que também enfrentamos com o nosso florescer (ou "crê-ser"). Mas, como as encaramos?
O ser humano precisa equilibrar o seu todo, corpo e mente,
objetivando a harmonia do "sobre-viver".
Basta um espinho no dedo, por menor que seja, para entendermos que é preciso
pairar visando a ação para retirá-lo. Arrisco a dizer que um país pode ser comparado à um indivíduo, sedento por conexão entre os sentidos, mas que privilegia alguns muques em detrimento de
tantas outras necessidades. Não que bíceps e tríceps, ou mesmo tíbias e fêmures, sejam irrelevantes, pois não são. Parte de um todo, mas isolados não são o corpo. Então, uma nação, que é uma
gente que compartilha identidade, diversidade, história, precisa gerar
pertencimento mútuo. Acabou a fantasia de que alguém de cima sempre viverá às custas
de um “andar de baixo”, porque isso, apesar de vigente, creio piamente estar em
decadência.
Palavras como equidade e justiça se aproximam da urgência de
superar qualquer tipo de desarmonia. A sociedade é constituída por uma
variedade de seres que, por vezes, promove e aceita a exclusão de alguns. Sem
envolvimento, não existe reação. O sonho compartilhado e traduzido, para quem
ainda nem despertou, gera o significado para sua continuação, abrindo os olhos
daqueles que insistem em se manter no escuro. O dia clareou, a alegria toma
conta “nas escolas, nas ruas, campos, construções” – lembrando Geraldo Vandré,
sabendo que muito ainda há para se consumar na paz.
Entretanto, para não ter fim, a paz se torna inquieta. E na reflexão de Leonardo Boff, “para ser duradoura, a paz deve ser obra da
justiça (...) A justiça é aquela relação minimamente boa para com o outro,
abaixo da qual toda relação deixa de ser humana. Por isso, ela deve afirmar o
outro como semelhante e se dispor a conviver com ele num reconhecimento
recíproco.” Podemos estar alegres ou tristes com os nossos avanços sociais,
a depender de cada visão de mundo, construída pelas interações e, por que não
dizer, pelas influências de tantos interesseiros mesquinhos que profanam e até
penetram em nossas cabeças.
| Bairro Taquari - Caldas/MG |
Seria a relevância de estar sobre a carroça (ou não), posando para um retratista. Em essência, não importa a posição de cada um, mas sim o conjunto que forma a beleza da imagem, a espontaneidade e o envolvimento de todos. É a concórdia ao ficar de fora em algum momento, sabendo que estamos todos juntos, incluindo o autor oculto da obra que disparou o clique. (Espero que me faça compreendido; senão, que seja poesia).
A luta envolve conciliação mantendo os princípios da justiça
e do perdão. Contudo, Francesc Torralba nos alerta que “o perdão não significa aprovar ou defender a conduta de quem nos fez
sofrer, ou que não devamos tomar as medidas cabíveis para reverter a situação
ou proteger nossos direitos.” A desigualdade social, teoricamente reduzida
com uma decisão unânime, jamais poderá ser objeto de barganha para uma paz
teórica, que beneficia apenas os disseminadores de ódio e que, insistentemente,
querem apenas o privilégio de serem carregados nas costas dos que há tantos
anos se curvaram. Retomar a força de quem é povo, para cada um aprumar-se, é a
maior condição para que nossa sociedade não envergue nunca mais diante de
mandatários enganadores e arbitrários, mesmo que silenciosamente, desde que com o coração ardente.
Por fim, sigamos com ânimo, partilhando as palavras da canção Paz Inquieta,
de Padre Zezinho, SCJ:
“Em paz pela
juventude, pelos adultos também
E por aquelas virtudes que meu povo nem sabe que tem.
Inquieto por tanta gente que não se inquieta jamais
E pelos caminhos do mundo eu sigo inquieto, mas vou em paz!”


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