Simples, assim: um tempo de qualidade!
| Maria e Benedito |
Por Marcos Almeida
Inicialmente, quero pedir licença para as minhas cunhadas Cleide e Rita Westin, bem como para minha companheira de vida, Milva, para traçar algumas linhas sobre duas pessoas que marcaram nossas maneiras de sentir, pensar e amar: Maria José Dias e Benedito Westin Dias.
| Dona Maria e suas filhas |
Seria uma ilusão pensar que o acaso não nos traz aprendizados. Em tempos em que a racionalidade e a ciência têm papel relevante em todas as decisões importantes que são tomadas diariamente, venho refletindo sobre a tenacidade de quem trabalha e quase não descansa, que empreende ou se oferta para quem se dispõem a pagar pelas horas passadas longe dos seus. E em alguma pausa surgem sentimentos verdadeiros, entre pessoas que são amparo e acolhimento, sem perceber as tantas voltas dadas pelo planeta. Entre emoções e afetos, que tento transmitir nessas poucas linhas, recebi de meus pais por adoção.
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| Teka |
A simplicidade, certamente, foi o que mais impactou no nascedouro da nossa relação. Dito da Bahia, conhecido pela sua labuta entre estradas rurais e pomares, levantava antes do sol raiar e preparava o seu café matinal com alegria, alimentando a bicharada da casa: cachorro, papagaio, passarinhos das árvores do quintal, sempre com o seu assobio característico que despertava quem ainda se arriscava a um último cochilo. Saía, às vezes, sem esperar por ninguém para o desjejum, acelerando sua Kombi rumo ao seu comércio, que ele denominava de “depósito”, no centro de Caldas, ao lado do antigo Bar São João. Era onde o povo da cidade buscava frutas, legumes, verduras e ovos, alguns doces, amendoins e rapaduras, na conhecida Quitanda do Dito da Bahia.
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| July (ou Diudiu) |
Dona Maria começava o seu dia bem tranquila, consciente dos seus inúmeros afazeres, procurava deixar os que se percebiam como visitas bem à vontade, tornando de casa. Cozinhava com maestria, mas longe do estereótipo feminino da boa fada, sendo perspicaz em suas colocações, posicionamentos e atitudes. Utilizava-se de poucos ingredientes para fazer uma macarronada maravilhosa ou algum assado que enchia todos os cômodos de aromas que faziam os famintos se aproximarem da mesa com maior agilidade e alegria. Sapiência culinária e revolucionária, para meus olhos atentos.
| Dona Maria e seus temperos |
Milva, filha do meio, casou-se comigo, na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio, bem nova, com apenas 22 anos, após termos um tempo de namoro de quase cinco anos. Seus pais me acolheram no seu lar sem impor qualquer regra. Em um certo período, quando precisei reformar nossa morada, três ruas abaixo, efetivamente virei um filho. Este fato, ocorrido por oito meses, fez a minha admiração por eles ir até a estratosfera, pois fiz parte do cotidiano daquela casa que, em outros tempos, havia pertencido à minha bisavó Maria Bárbara, mãe do meu avô Zé Cândido. Havia uma amizade incrível entre eles.
Pensando um pouco antes de tudo isso, me recordo bem que fui
ter notícias do meu sogro – sem saber que o seria no futuro – quando estudei no
Colégio Vicente Landi Júnior. Eu iniciei na quinta série após ter cursado o
antigo primeiro grau entre Pocinhos, Muzambinho e no Souza Novais (por seis
meses, aluno da dona Pera na quarta série). Escola diferente, em lugar mais
distante de onde eu morava e com uma novidade: aulas com diversos professores e
também de educação física, com o professor Paulo Rocha. Estudávamos no período
da tarde, cinco aulas em sala, e em dois dias da semana, eu caminhava com meus colegas
pela avenida Santa Cruz, para as “aulas de física” (era assim que dizíamos), debaixo
de chuva ou do sol de rachar mamona. Meu pensamento era que seria chegar e entrar
em quadra para jogar bola, ou seja, futebol. Mas, que nada. De cara, fazíamos
alongamento, aquecimento, circuito, exercícios individuais e em duplas. Desse
ponto, o primeiro contato com o afamado vendedor de hortifrúti da cidade, que
também fazia entregas dos seus produtos nas casas, em um carrinho de madeira,
que eu já tinha visto circulando, mas não imaginava que seria o popular
CARRINHO DO DITO DA BAHIA. Nessa ocasião, em duplas, um aluno deveria ficar de
bruços, apoiando as mãos no chão e mantendo as pernas esticadas para outro segurar
nos tornozelos desse pobre coitado, como se fosse empurrar um carrinho de mão
(este é o nome mais conhecido dessa atividade pelo Brasil). Depois, duplas
alinhadas, o instrutor apitava, indicando a largada, para uma corrida entre os
carrinhos até o fim da quadra, devendo realizar a troca dos integrantes para
retornar ao início. Uma brincadeira que parecia fácil, mas dava uma canseira
só.
| Júlia, Otávio e Vô Dito na Kombi |
Mas o meu primeiro contato com esse laborioso e renomado homem foi aos 15 ou 16 anos, quando morava em casa alugada pelo meu pai com um enorme quintal, repleto de árvores frutíferas: abacateiro, jabuticabeira, laranjeira, limoeiro, goiabeira, bananeira, entre outras. Eu também cultivava um canteirinho de morango e não me furtava a atrever no plantio de abobrinha italiana e milho (pensando em um cural), bem na época em que fui aluno da Escola Agrotécnica Federal de Muzambinho. Para minha surpresa, certo dia, adentra naquele domicílio uma pessoa para apanhar abacates. Era ele, que agora via de perto, e ainda, colhendo abacates com uma vara de bambu enorme e um recipiente coletor na ponta. Eu entrei na prosa entre meu pai e ele, ajudando a catar algumas frutas que escapavam e caiam no chão. Saindo com algumas caixas repletas da fruta, a sua Kombi parecia até arriar. Ficava, entretanto, a minha curiosidade em saber de qual lugar da Bahia seria o pai da minha futura esposa.
O tempo passou, muita água passou por debaixo da ponte, para
aparecer uma pessoa acolhedora: dona Maria. Sempre a tratei assim, desde que a
conheci. Ela tinha praticamente a mesma idade da minha mãe, fazia aniversário
também coladinho com dona Ivete, e sempre atenta ao que eu falava. Ouvia muito
e falava assertivamente. Sabia dar conselhos e me ensinou a ter paciência em
situações adversas. Gostava de um bate-papo quando estava na cozinha com seus
afazeres. Ela também me apresentou toda a sua parentaia e passei a frequentar a
casa da Bisa Maria Batista, sua mãe.
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| Otávio, Rita e Júlia |
Sinto saudades! Daqui pra frente, o que vou relatar preciso dar créditos de coautora para a Milva. Sem dúvida, ela e suas irmãs amaram seus genitores antes de qualquer um que tenha estabelecido convívio naquele lar.
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| Otávio, Cleide e Júlia |
Então, recordo que a Kombi do Dito da Bahia carregava de tudo, inclusive gente. Ligava o rádio para iniciar o dia animado. Dava carona pra quem encontrasse pelo caminho. Acho que tamanha generosidade, pelo que me contava a minha sogra, vinha da mãe dele: Gabriela, mais conhecida como dona Bahia. Daí o fato de ser o Dito da (dona) Bahia. Assuntava de tudo um pouco. E pra nós, era pura emoção viajar na parte de trás daquele veículo, normalmente em cima das caixas de madeira, pois os bancos eram retirados para as compras no CEASA de Poços. Acionava a buzina sempre ao chegar em casa ou em algum destino, mantendo a tradição de cumprimentar algum conhecido pelo trajeto, assustando um ou outro mais desavisado.
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| Dona Bahia |
Posteriormente, ele comprou um carro de passeio, usado e conservado, para sair aos domingos de forma mais confortável. Era costume de o casal sair após o expediente no seu meio dia de descanso semanal, enchendo uma ou duas cestas de frutas e legumes, para visitar parentes ou amigos. Eu garantia minha carona porque a Milva adorava esses passeios. Era saboroso, porque apreciávamos muitas iguarias, desde pastel de vento até pamonha com queijo; cafés aprazíveis ou apenas um papo gostoso na roça ou em alguma cidade da região; o sorvete de Ipuiuna ou a disputa para ver quem alcançava maior peso na balança no início dos restaurantes self servisse, no Biguá em Santa Rita de Caldas ou no Labareda na cidade sulfurosa. Entretanto, algumas vezes, era a macarronada da tia Jandira, em Ipuiuna, que acalentava a alma, em uma casa simples. Panelas areadas que ficavam penduradas na parede, camas com colchão de palha devidamente afofadas, um convite para o chofer que não hesitava em tirar uma soneca antes do retorno. Enquanto isso, ficávamos admirados em ouvir as histórias de vida daquela senhora tão generosa e hospitaleira.
| Festejando a vida |
Quando a visita era para gente que morava na zona rural, também aproveitávamos para conhecer o entorno, ver as vacas e os bezerros, as paisagens e lavouras e, de quebra, comer um frango caipira. Dona Maria adorava caminhar por estradas de terra e respirar o ar puro das montanhas. Seus passos seguiam firmes enquanto sua mente parecia estar flutuando pelo passado ou futuro, sabe-se lá. Respeitávamos o silêncio que ela estabelecia. De vez em quando, olhava pra gente e dava um sorriso de preencher o coração.
| Zona Rural de Ipuiuna - 2007 |
Ainda sobre a famosa Kombi do Dito da Bahia, lembro bem que realizamos a nossa primeira mudança, levando nossos “trem” de Caldas para Campestre, pois eu trabalhava lá quando assumi o matrimônio com Milva. Moramos juntos naquela cidade não mais que três dias, recebendo a sonhada transferência que havia solicitado há seis meses. Voltamos para nossa terra e fomos morar na nossa casa verdadeira – como gostamos de chama-la – precisando contratar o Seu Alípio, com o seu caminhão Ford, para agora levar as mobílias compradas pouco tempo antes. Meus colegas de serviço, Júnior, Valderley e Aloísio fizeram as honras de “chapas”, carregando tudo que era mais pesado, agilizando nosso deslocamento.
| Vizinhança e afeto |
Retornar para próximo dos nossos pais foi uma motivação maior para a convivência entre as famílias. Oportunamente, promovíamos “festas” improvisadas com comilança e cantoria. A casa do Ailton e da Beth, nossos padrinhos e vizinhos de fim de semana, era o ponto mais requisitado. Horas a fio de confraternização pelo simples fato de estarmos juntos. Não sendo possível esse movimento, revezávamos sábado na casa da mãe, domingo na casa da sogra; no outro fim de semana, seria o inverso. E assim, nossos filhos nasceram e cresceram aprendendo valores que nossos pais também os ensinaram.
| "Quem ganhou o jogo?" |
Tivemos o privilégio, eu e Luciano – genros que nos tornarmos filhos – de assistirmos a final da copa do mundo de 2002 ao lado do Véio (nosso jeito de amolar o sogrão). Mas, só nos primeiros quinze minutos de jogo, porque ele não sossegava. Afinal, 8h da manhã, num domingo, tinha coisa pra fazer. Quando voltou, o jogo havia terminado, 2 x 0 para o Brasil campeão, e a Kombi repleta de mercadorias. E dona Maria, ficava ansiosa para acabar a partida e enfim poder escutar barulho mais prazeroso na televisão.
Posso afirmar que eu conheci meu sogro menos que a sua
esposa e filhas, mas muito mais do que as pessoas possam ter em suas
lembranças. E certamente não são poucas, pois ele se fazia presente entre a
gente mais simples. Conversamos sobre muitos assuntos e nunca houve uma imposição
da parte dele sobre mim. Dona Maria, tornou-se confidente, por vezes, aflorando
emoções que tive a honra de partilhar.
| Júlia, Gabriel e Otávio, com a Vó Maria |
A grande alegria para eles, acredito, foi ver a família aumentando, com a chegada de Júlia, Otávio e Gabriel para preencher mais ainda as suas vidas. Sentiam-se realizados e prontos a estarem próximos. E não dá pra negar o tempo de qualidade que tivemos com essas duas almas maravilhosas. A existência deles fez, e ainda faz, uma diferença enorme em nossas vidas.
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| Dito com Otávio e Júlia |
Por isso, os retratos de hoje retratam pouco o que verdadeiramente deveriam retratar...
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E a Dona Bahia era baiana mesmo?
ResponderExcluirA Dona Bahia era mineira e tinha uma generosidade enorme. Ainda estou coletando mais relatos para escrever sobre ela.
ExcluirQue delícia ler a história de D Maria e Sr Dito da Bahia! Frequentei muito a casa deles! Saudades imensa!
ResponderExcluirQue bom que gostou, especialmente pela experiência de partilhar momentos com eles. Abraço fraterno.
ExcluirQue linda homenagem!! Passávamos o ano todo esperando a época do único e saboroso "marolo", que só existia no Dito da Bahia!
ResponderExcluirVerdade, Vinícius! Chegavam caixas de marolos direto de Paraguaçu/MG. Obrigado por compartilhar esse fato!
ExcluirForte abraço meu amigo!!
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