Cajarana
Por Marcos Almeida
Visitar a Pedra Branca, no
município de Caldas, foi uma forma para que eu criasse um desafio pessoal.
Antes disso, cheguei lá pela curiosidade e espírito de aventura quando tinha
apenas dezesseis anos, com a companhia sempre enigmática do meu avô José
Cândido, também conhecido como "Pau Véio", que afirmava ter perdido as contas das vezes que visitou o topo daquela montanha. Assim, fui para me
divertir, passar tempo, escutar a voz de Deus, rezando e agradecendo pelo dom
da vida.
| Pedra Branca - Zé Cândido e sua turma |
Em 2007 tive a alegria de conhecer um grande capitão da natureza, Juninho Freitas, que morava no sítio Rosa dos Ventos, de propriedade do também amigo Carlos Rodrigues Brandão. Esse jovem, em uma de nossas primeiras conversas, compartilhou algumas de suas inúmeras visitas ao topo da suntuosa pedra. Fiquei impressionado com tamanha disposição. Naquele momento, calculei que já se passaram uns dezoito anos sem fazer o percurso que tanto havia marcado minha juventude.
Naquele ano, já com os meus
filhos com 12 e 10 anos respectivamente, combinei com minha companheira Milva
que convidaríamos o Juninho para ser o nosso guia para o nosso retorno,
liderando a caminhada para que duas crianças pudessem igualmente sentir e
escutar o vento no cume da rocha. E assim fizemos e seguimos juntos de carro,
até onde era possível, para evitar uma grande caminhada, após inúmeras
porteiras e mata-burros.
| Milva, Júlia, Otávio, Marcos e Juninho - 2007 |
O início da caminhada pela trilha era como o rompimento do casulo pela borboleta, especialmente para os pequenos caminhantes, que se sentiram totalmente soltos em um ambiente novo, pois outrora a rastejante lagarta pode se transformar para voar rumo à flora perfumada. A alegria de todos contagiava as árvores perdidas no meio do pasto, frondosas e expressivas, cálidas e vívidas, onde os pássaros descansavam e pareciam que estavam a observar o nosso movimento.
A caminhada durou cerca de duas
horas, pois fomos na nossa toada. Juninho foi paciente e nos esperava dando
detalhes de cada cenário que vislumbrávamos. Olhávamos para cada vista que as
nossas vistas podiam avistar. Tudo lindo e único. A imagem vai mudando e
tornando-se ainda mais esplendorosa. Abismos vão surgindo ao lado da trilha e o
frio na barriga é inevitável. Muita gente diz que falar em público dá a mesma
sensação. O medo não é pequeno pela preocupação com nossas crias que não possuíam
a malícia diante do perigo. Mas tudo foi dando certo.
| Sítio Zé Painha / Maria José - 2007 |
O início da subida, sobre as imensas rochas magmáticas, simplesmente adentramos em um jardim de pedras, com texturas diversas e esculpidas com pequenas valas e saliências sem nenhuma uniformidade. Daí tamanha beleza!
A sensação que o topo está bem
perto, pois é uma parte plana e, chegando à sua extremidade, encontra-se novas
vistas para a contemplação. Parecia que o ar ficava ainda mais puro. Gostosa
sensação de sentir diversos aromas. Mas continuar é preciso para se atingir o
ponto máximo, mesmo com o cansaço dando sinais de que seria possível a
desistência.
| Jardim das pedras - Pedra Branca - Caldas/MG |
Subida forte. De gatinho. Devagar e (é) persistente. Uma paradinha aqui e outra acolá para descansar. Parece que vamos ter que voltar, ecoava no meu íntimo preocupado sabe-se lá com o que.
Olhando pro céu, com pensamento
positivo, uma ajuda do mais próximo para todos chegarmos juntos. E assim fomos
até a uma nova parada: ao percebemos que duas grandes pedras confrontantes, uma
de frente para a outra, trazia uma imagem de visão jurássica. Dois dinossauros
preparando-se para uma luta que a natureza imortalizou desde os primórdios. A
extinção da espécie foi petrificada em Caldas. Basta ter aflorada a imaginação
(imagem em ação), especialmente para esquecer que as pernas estão bambas e
doloridas. Juninho volta a nos incentivar para o sangue não esfriar.
| Pedra Branca - Caldas/MG |
- Mirem o alto! Dizia. E continuamos.
Vários passos. Outras dores.
Juntos continuamos e chegamos ao ponto mais alto do município de Caldas e da
região. Cerca de 1.800 metros de altitude, em uma borda de uma imensa caldeira
vulcânica que abraça todo o planalto de Poços de Caldas.
| Alto da Pedra Branca - Caldas/MG - 2007 |
A alegria de todos estava escancarada e o cansaço terminou. Todo espaço precisava ser explorado. Observamos as bromélias que vivem por entre pequenas cavidades e toda a sua particularidade que dá uma graça maior ao cenário. Caminhando de um lado para o outro. Descendo um pouco, do lado oposto ao qual chegamos, encontrava-se o "quarto-cozinha" dentro de uma clareira envolvida por algumas árvores. A mata está muito próxima dali. Neste espaço onde os mochileiros montavam acampamento para descansar um pouco longe do sol ardente do meio do dia.
Na visão trezentos e sessenta
graus, constatamos o céu azul claro e límpido do lado de Minas Gerais e o azul
pintado de cinza escuro pelas bandas paulistas. O infinito nos colocou ainda
mais pequenos diante da imensidade do conjunto da ópera: rocha e firmamento.
Realmente somos limitados e acreditei, ainda mais, que a humildade precisa ser
alcançada com a mesma perseverança dos montanhistas que superam seus limites.
| A trilha - Pedra Branca - 2014 |
O medo de conhecer de perto a mata da serra, para não expor aos perigos nossos rebentos, Júlia e Otávio, nos fez adiar, para uma outra oportunidade, buscar conhecer o que mais me aquela montanha teria a nos oferecer. E aí é preciso contar uma outra subida e seus personagens que fizeram diferença nessa nova experiência de superação.
Uma outra aventura em família
estava planejada para acontecer em 2013. Foi necessário adiar - como se diz -
por motivos alheios a nossa vontade. Mas no ano seguinte tivemos o privilégio
de combinar com a família de amigos, com Flávio Capobianco Ribeiro, Solange Garcia e seus
filhos Maria e João Pedro. Juninho foi nosso guia novamente completando a sua
centésima vigésima subida, tudo anotado em um caderno que ainda tenho a
curiosidade em conhecer. Os pequenos filhos de visita anterior, agora jovens e
com força nos pés, pernas e mentes.
| Família Garcia Ribeiro - 2014 |
Contar sobre a escalação e a chegada ao destino, desta vez, seria redundante. Somente o fato de passar a admirar a pequena Maria que, mesmo com dores no joelho, arrumou um cajado e não desistiu. Mas, o que aconteceu depois da conquista do alto da pedra, mais uma vez, sempre uma nova emoção, vale registrar em palavras.
Naquele dia de agosto, após
termos esperado mais uma semana para a subida, em razão da chuva ocorrida na
data anteriormente prevista, foi providencial. O tempo colaborou para a subida.
Mas, ao chegarmos no cume, o sol estava escaldante. Juninho percebendo a
situação convidou-nos para conhecer a Cajarana.
- "Cajarana", o que é
isso?
Ficamos nos olhando e procurando
a resposta. A questão seria por quanto tempo deveríamos caminhar. Fomos
informados que seria por volta de meia hora. Estávamos cansados, mas pensamos
numa bela sombra para lanchar. Aquele dia havia muitas pessoas acampando e, por
incrível que pareça, espaço sob a sombra estava escasso. Então adentramos pela
mata. Morro abaixo e, às vezes, uma pequena subida para voltar a descer, tudo
dentro de um rico ecossistema. Sons de pássaros que nunca ouvi. Quando nos
aquietávamos a natureza dava a sua resposta: ora com silêncio, ora com melodias
do balanço das árvores. E tantas outras surpresas.
As raízes das árvores, em meio a
floresta, são surpreendentes e demonstram que, tendo base e união, qualquer
família supera seus obstáculos. Parasitas em troncos enfeitando o trajeto rumo
ao que tanto ansiávamos conhecer. O gemido de um ou outro caminhante nos dava a
impressão de o tempo previsto já ter extrapolado. E a pergunta constante era:
tá chegando?
E com toda a paciência do mundo,
nosso guia nos apresenta a uns dez metros de distância, no meio de muitas
outras árvores, a magnífica cajarana. Com uma altura acima de vinte metros,
creio, ficamos parados para contemplá-la. Mas não muito estático, pois diz o
ditado que mineiro tem que colocar a mão. E fomos tatear o tronco que escondia parte
do grupo do outro lado. E antes de qualquer outra experiência, aos pés daquele
monumento natural, sentamo-nos naquele chão para descansar. Discutimos a sua
idade. Duzentos, quinhentos anos? Muito tempo, certamente.
| Cajarana - 2014 |
Após o lanche, assumimos juntamente o desafio de abraçar aquele lenho enorme. Éramos nove. Juninho ficou filmando e fotografando. Quatro homens e quatro mulheres de mãos dadas e com os braços bem esticados. Só assim conseguimos, com muito esforço, abraçar o tronco. Isso, nenhum de nós vai deslembrar. Emoção de filhos da terra. Parece que fomos chamados a nos adaptar e somente colher as riquezas que nos são oferecidas com o máximo de respeito e cuidado: apalpar sem talhar; rodear sem derrubar.
Pesquisando sobre a cajarana aprendi
que pode ser a "cabralea
canjerana"
ou cedro-canjerana, também conhecida como canjarana. Para mim não importa se a
classificação não esteja correta. Só tendo experimentado da maneira como
ocorreu foi "sui generis". Sob sua majestade não há tirania, diferente
da nossa pequenez humana.
Ao retornarmos para as nossas
rotinas continuamos embriagados pela sinergia daquele lugar que, quando se
comenta em rodas de aventureiros, parece tratar-se apenas de uma caminhada ao
topo de um maciço rochoso, ao cume de uma serra. Certamente, não. Encontramos um
conjunto perfeito de uma natureza que insiste em se manter acolhedora e
servidora, conectada ao cosmos.
Repito o conhecido questionamento:
como alguém pode dizer que ama a Deus que é invisível e desprezar a natureza tão
linda diante dos olhos?
Mais um texto excepcional, rico em detalhes e emoção! Amei o vídeo!
ResponderExcluirO vídeo é a prova da Cajarana! E viva a Pedra Branca!
ExcluirLi o texto imaginando as belas paisagem. Em breve, quero fazer essa caminhada.
ResponderExcluirLi o texto imaginando as belas paisagens Em breve, quero fazer essa caminhada.
ResponderExcluirValeu, Clayton! Vamos juntos!
ExcluirMuito bom. Fui duas vezes. Agora só de helicóptero rs.
ResponderExcluirTambém topo! Rs
ExcluirAdorei conhecê-la! Adorei a dica!
ResponderExcluirQue bom! Sugiro ir com um condutor de turismo!
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