Que bolada: cinco vira, dez acaba! (2014)

Por Marcos Almeida

Olho para os meus pés alongados e calejados pelo tempo na intenção de lembrar dos meus pequenos passos de criança em Pocinhos do Rio Verde, um lugarzinho pequenino e charmoso por entre as serras e montes do Sul de Minas. Onde hoje é um pátio com blocos de concreto antigamente era um campinho de grama dentro da escola Paiva de Oliveira. Era uma época fantástica, de muitos sonhos e alegria!

Os craques do passado!
Algum conhecido?

Especialmente pelo fato de que jogar futebol era a nossa maior diversão. Marcávamos as traves com alguns tijolos. Mas se não tivessem os tijolos, os chinelinhos de dedo poderiam ser utilizados. O gramado, longe de ser perfeito, dava pra cair sem se machucar seriamente. O que eu mais tinha medo era da bolada  do Jadir.

Certo dia, levei uma "bomba" no rosto após um forte chute do Jadir e acabei caindo de costas. Foi uma dor intensa e um vermelhão se espalhou pelo meu rosto, incrementado muito mais pela vergonha do tombo. A criançada não perdoava e gozava muito do "mico". Mas aquela pancada que levei me deixou mais esperto em combater o adversário sem deixar tanto espaço. Na verdade, um oponente que nem sempre jogava limpo que, buscando menosprezar as minhas qualidades, apontava alguns “defeitos” normais de um ser em constante crescimento.

Escola Paiva de Oliveira - Pocinhos do Rio Verde

Então, aprendi a ser centroavante, me posicionando perto do gol, meio que na banheira, e ter a alegria de assinalar um tento para o meu time. Porém, por ser o "café com leite" da escola, poucas vezes recebia um passe para finalizar. Certa vez, o meu grande amigo Tião, que tinha quase o dobro da minha idade e estudava na mesma sala, resolveu me ajudar e dar um passe açucarado, me deixando na cara do gol. Tive só o trabalho de tocar na gorduchinha que caprichosamente bateu no chinelo-trave e entrar: gol! Os outros gols ficaram para o Ivandro, filho do Tita, que era o craque.

Aquela partida foi a melhor do ano! Terminou 4 a 3 para o nosso time! Saímos todos gritando de braços erguidos: GANHEMO... GANHEMO... GANHEMO!

Entrando na sala de aula, todos eufóricos, eu e Tião fomos para a carteira de dois lugares para retomarmos os estudos. Entrando em seguida, nossa professora Regina Célia, também muito entusiasmada, nos parabenizou e valorizou o nosso trabalho em equipe naquele recreio. Mas, aproveitou, de uma maneira doce e assertiva, para nos explicar que, na próxima vez que vencermos, deveremos gritar: GANHAMOS! Foi uma bela lição; melhor dizendo, uma lição completa, pois não desvalorizou a partida de futebol que foi um trabalho em conjunto sem se descuidar do bom português.

Depois do terceiro ano primário precisei deixar Pocinhos e seguir rumo a Muzambinho para onde meu pai fora transferido para trabalhar na agência dos Correios. Tenho poucas lembranças de lá, pois nossa permanência se findou em menos de seis meses, quando o Zé do Correio aposentou a chuteira no seu ofício de telegrafista. Um certo desespero se abateu sobre os meus sonhos. Nesta outra cidade haveria um campinho na escola? Infelizmente, descobri quando cheguei lá que havia um grande pátio onde se cantava o Hino Nacional uma vez por semana. Mas, enfim, precisava seguir pois faltavam mais de nove anos para a minha maioridade. A boa notícia era que, fora da escola, encontraria muitos lugares para exibir as minhas qualidades de jogador mirim.

Muzambinho/MG

Chegando aos gramados muzambinhenses aprendi muito. Joguei com colegas da minha turma de quarta séria primária, muitos deles habilidosos e que dentro da antiga faculdade de educação física que ficava no centro daquela cidade, havia uma quadra de tênis de saibro que acabou virando o nosso campo oficial. Foi muito bom e acabei aumentando a minha autoestima por ter feito alguns bons jogos por lá. E não é mentira. É pura verdade.

Quando retornamos para Caldas, eu e minha família moramos uns tempos com os meus avós Zé Cândido e Cida. Moleque de dez anos de idade, o que iria fazer? Ficar estudando o dia todo? Que nada. Só futebol. E aí fui apresentado a vários gramados, como o campo da piscina (Caldas Tênis Clube), o campo de terra atrás do centro espírita, o próprio campão da Santa Cruz, mas o local que mais me encantava era o campinho do Vado (rua Barros Cobra). Sr. Osvaldo Silva, pai da Cássia, grande professora de educação física, sempre gostou de ver a molecada jogando por lá. Quem jogou lá sabe que havia um declive bem forte. Tivemos o trabalho de colocar traves de madeira em uma época. Ficou muito legal!

Mas lá, o que marcou a minha infância foi a regra "CINCO VIRA, DEZ ACABA". Quem foi criança naquela época, nem precisa ter jogado naquele campinho para saber o que é isso. Para quem não sabe, essa regra significava que quando um time marcava cinco gols terminava o primeiro tempo e para terminar o jogo um dos times precisava alcançar dez gols. Fácil, assim, ainda mais naquela arena.

A estratégia era ganhar no "par ou ímpar", que já dava uma briga danada, para começar "chutando pra cima", ou seja, tentando fazer gol na subida do campo-morro enquanto estava mais descansado. A certeza que tínhamos é que quando virasse, se preciso fosse, seria chutão de todo o tipo dentro da filosofia que "pra baixo todo santo ajuda". E não tinha erro. Bastava ganhar no par ou ímpar e escolher o campo - e não a bola para começar o jogo, que a vitória tenderia a ser nossa.

Em um desses certames, começou dando tudo certo e começamos chutando pra cima. Logo quando soltou a bola, dei um balãozinho para o nosso atacante Nilson do Investigador que emendou sem pulo e fez um golaço. Começamos bem: 1 x 0. Na saída deles, deram um chutão e o nosso goleiro defendeu, mesmo com toda a força do morro abaixo. E na sequência, sei lá o que aconteceu, conseguimos fazer 5 x 4 e teríamos o segundo tempo todo para jogar chutando para o gol de baixo. O nosso time estava muito cansado, pois lutamos muito para conseguir o melhor resultado.

Porém, quando os times viraram de campo, olhamos para a marca central e não vimos a bola... Olhamos para fora do campo e lá estava o "dono da bola" dizendo que a brincadeira havia terminado. Ele era do time que deveria chutar pra cima no segundo tempo e desistiu. Não teve jeito: aquele dia ficamos sem terminar a partida. Ganhamos!

Aprendi a lição de que sem o "dono da bola" não tinha jogo. Fizemos de tudo para ele voltar, mas ele sabia que a chance de levar mais gols era enorme. Não estavam conseguindo nem morro abaixo, quanto mais morro acima. E esta cena certamente muita gente já viveu, nas “peladas” e em outras situações de vida.

O atacante prepara o chute!

Precisamos entender que nem sempre as vitórias expressam a competência de um time; o equilíbrio para entender que as derrotas acontecem, mas as maiores acabam vindo do desânimo e da descrença.  E basta ter um "dono da bola" para acabar com o jogo: ou jogando muito e "comendo a bola", ou saindo de cena com a bola debaixo do braço.

Mas a alegria de ter vivido o futebol de uma forma tão lúdica e intensa ainda continua em meu peito. Ainda acredito que as pessoas fazem o melhor que podem no jogo e na vida e que não existe vergonha em lutar. Os erros são inerentes aos humanos, "seres errantes", que acertam mais, mas que tropeçam e caem para se reerguerem em um outro momento em que tudo será melhor.

Se tem alguma relação com o jogo Brasil 1x7 Alemanha de hoje, dia 09-07-2014, aí a interpretação fica por sua conta...

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