Pregressas conversas (crônica)

 

Por Marcos Almeida

Lá em casa quando um começa a falar, imediatamente outros quatro ou nove emendam junto. Parecem pardais no meio do arrozal. Mas, antes fossem, porque uma hora eles avoam buscando os seus ninhos. Meus, parentes, ao contrário, somam esforços para não dar trégua ao silêncio, ficando em roda da mesa. E aí junta o barulho da louça sendo lavada, dos cachorros latindo e fazendo suas algazarras com as crianças, o motor do jipe do meu avô que, para esquentar, necessita a paciência de uma manhã inteira e o rádio da vozinha que tagarela mais que cantador de bingo.

Tia Arlete, Vó Cida, Mãe e eu
1968

Em uma dessas ocasiões, parecendo ser festa, mas na verdade era o cotidiano do ajuntamento familiar, uma pessoa resolveu nos visitar sem aviso prévio. Batendo à porta, ninguém ouviu; insistiu, gritando o nome da minha avó, até que alguém olhou pra turma e pediu atenção para escutar se alguém estava chamando. Meu tio, apontou a cabeça na janela, recolhendo-a imediatamente parecendo assustado. Uma das crianças logo correu para abrir a porta e viu uma senhora toda bem vestida, com colar de bolinhas brancas e um belo penteado, daqueles que parece embrulhar toda a cabeleira no alto da cabeça, suspensa à base de presilhas e grampos. Arregalando os olhos, o pobre moleque deu meia volta e correu em disparada até a cozinha dizendo ser uma dona que estava na porta. Alguém perguntou a ele se havia mandando entrar, respondendo negativamente com sua cabecinha voada.

Minha avó, saiu do quarto, após ter trocado rapidamente o seu vestido, daqueles bem práticos para o dia a dia, florido, mas bonito e de ótimo caimento. Foi ver quem seria a pessoa que aguardava antes dos degraus que dão acesso à sala. Conheceu de imediato, mesmo após mais de vinte anos sem se verem, a prima que havia se mudado para a capital. Trocaram cartas após a separação, mas com tantas ocupações de parte a parte, as mensagens ficaram escassas até caírem na distância emocional. Telefone, em nossa casa, nunca tivemos. Por isso, quando a madama adentrou à sala, foi recebida com surpresa diante das pregressas conversas à boca pequena do nosso clã, que abandonara a cozinha para presenciar aquela cena. Meu avô, percebendo o movimento, correu para testemunhar, por certo, um episódio revelador.

Rolaram lágrimas, as mãos se tocaram, sorrisos largos. O silêncio finalmente reinou naquela casa, cada qual esperando a fala da outra. Quem acompanhava, abria os ouvidos, respirava fundo, aguardando as palavras não ditas por tantos anos. Haveria pedido de desculpas sem os protocolos dos bons costumes? Seria o momento de relembrar algum segredo ou de partilhar algum sentimento não revelado anteriormente?

A minha casa, repleta de conversas e euforia, estava serena e reverente. A expectativa dominava todos os seus cômodos. Ninguém ousaria dizer algo antes daquelas duas, amigas de antes, com seus trágicos problemas que trouxeram variações naquela linda amizade desde a infância.

Porém, as primas permaneceram-se caladas, somente se entreolhando. Diziam muito mais pelo acolhimento, cumplicidade, empatia. Nenhum segredo precisou ser revelado. O que ouvimos, de parte a parte, quebrando a mudez, foram poucas palavras: perdão! Perdoa-me!

Com o mais afetuoso abraço entre elas, todos começaram a aplaudir, a gritar, a conversar, voltando tudo ao normal naquele lar, passando café novo, enchendo a mesa de quitandas, queijos e pães para comemorar o retorno de quem havia marcado o coração de tanta gente com a sua ausência que, agora, tornara-se presente!

(*) Retrato meramente ilustrativo, por tratar-se de crônica fictícia.


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