Mais do que ver, que eu possa visitar!
Por Marcos Almeida
Desde a minha infância fui
apaixonado por fotografias por me conduzir a imaginações do que cada momento
registrado representava. Eu olhava por algum tempo aquele papel mágico. Como
isso pode acontecer? Se estava sozinho neste exercício, certamente pouco
entendia o significado. Não conseguia muitas vezes decifrar o lugar, as
pessoas, a ocasião. Porém, quando passava às vistas pelos retratos, com a
explicação de alguém que conhecia a história, tudo mudava. Desabrochava algum
significado. Até parecia que aquele instante em preto e branco de vários anos
atrás começava a fazer sentido pra mim. Conhecer os antepassados, lugares onde
viveram, o que fizeram, as festas e cerimônias, tudo passava por um novo olhar.
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| Meus bisavós ao centro Pai Quim e Mãe Quinha com familiares - Anos 1960 |
Tempos depois, novamente voltava a procurar no fundo do guarda-roupas a caixa de fotografias para apreciá-las. Alguns casos que eu conhecia também traduzia para os novos curiosos que buscavam se distrair. Aquelas mais importantes sempre trazemos um ponto de atenção: um olhar, uma pose, as vestimentas, o cenário... E com as cores, novas possibilidades, mais mistérios e outros detalhes. Quando alguém bisbilhotava sem a devida atenção às sacrossantas imagens familiares, eu ficava furioso e me perguntava: porque está querendo colocar as mãos então?
Depois de ter a minha máquina
fotográfica kodak 126, enfrentei o desafio de buscar a melhor história para perpetuar
o momento, eternizar a emoção. Tudo tinha um custo muito alto, o que trazia a
parcimônia para buscar o melhor momento. Havia o risco de queimar o filme todo,
o que sempre foi a maior frustração, ou seja, elaborar um roteiro sem o
registro das cenas. Me recordo muito bem da minha formatura do ensino médio
(segundo grau, na verdade) em Muzambinho. Deu o que fazer para
"emprestar" a minha câmera para que outras pessoas pudessem me
incluir nas fotografias. Será que saberiam usá-la? Essa era a minha ansiedade.
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| Formatura Escola Agrotécnica Muzambinho 1982 |
De tudo isso que relato, fico pensando que realmente é muito bom ver uma cena para poder entendê-la melhor. Porém, só olhar pode não ser suficiente. Ou melhor, a interpretação de quem procurou registrar um instante conduz a uma conclusão diferente de quem somente o observa. Repito, um instante. Quem sou eu para querer explicar uma vida com uma simples palavra?
Por isso provoco: mais do que
ver, precisamos visitar. A palavra "VER" é derivada do latim: VEDERE.
Visitar, também de origem latina (VISITARE), traz em si algo além: "ir
olhar, inspecionar". Adentrar em uma morada; enxergar por dentro com o
tempo necessário: ver, ouvir e internalizar.
| Espontaneidade |
Hoje em dia perdeu-se muito o costume das famílias visitarem-se. Os tempos são outros, assim dizem muitos analistas. E realmente são. Agora posso dar uma olhada – ao invés de enxergar - para imediatamente opinar. Olho pela janela ou pelo facebook. Liberdade de expressão e superficialidade. As fotos de hoje são padronizadas, por exemplo, pelas redes sociais: autorretratos (selfies), por exemplo, dominam as nossas novas "caixas" de fotografias virtuais. Eu mesmo, com o meu espelho, posso registrar esse momento de íntima felicidade cotidiana entediante da última hora da melhor aparência concebida, para que todos reconheçam em mim algo que é enigmático e duvidoso. Este é o reflexo; não uma visita. Mas longe de querer ver ao invés de visitar, digo que o espelho certamente não é mais necessário, pois os aparelhos tornaram-se eficazes e podem dispensar a ajuda de qualquer objeto reflexivo. E cabe realmente uma reflexão...
| "Conhecendo o outro, eu me reconheço." |
Mas voltando ao ato de visitar, que começa com a pré-disposição de sair do seu habitat para ir ao encontro do outro, bater à porta e ser convidado a entrar. Posso até tentar visitar e a porta não se abrir ou não ser uma boa hora. Não posso ser invasivo ou bisbilhoteiro. Tenho que aguçar a minha percepção para entender se estou “avançando o sinal”. A possibilidade da visita surge quando o pensamento é no outro, mesmo quando sou eu quem estou precisando dele.
Conhecendo o outro, eu me
reconheço, assim diz o pensador. O
ser humano completa-se no outro. "Amai-vos uns aos outros, assim como Eu
vos amei". Jesus disse isso porque Ele sempre nos visita. Ele não fica
preocupado em Ver, como muitos pensaram e continuam pensando; Ele pede para
abrirmos o nosso coração para visitar-nos. E ele espera sem pressupostos.
Então, quem visita, além de ter o coração aberto, busca também o espaço no
coração daquela casa. Querendo visitar, realmente se envolve para interpretar o
significado da fotografia para poder entender a cena.
| São Roque da Fartura - 2015 |
Tenho uma foto que registrei uma vez de um jardim repleto de flores, mais especificamente, de copos-de-leite. Ao fundo, lindos ipês amarelos em plena floração. Repletos. Busquei enquadrar o jardim com suas cores sem esquecer das árvores floridas um tanto que distantes ao fundo. Se não o fizesse assim, para mim, a cena estaria incompleta. Quem vê a foto poderá achar bonito. Alguns poderão nem perceber os ipês. Outros pensarão que a beleza está nas flores brancas mais próximas. Os detalhistas perceberão que existem flores murchas e os maldosos afirmarão ser esse o defeito do registro.
O que eu acredito é que a
natureza nos ensina de uma forma tão bela que a natureza, viva e morta, traz em
si os seus ciclos: fecundar, germinar, crescer, florir, murchar. Tudo para que
se renove e nunca termine a beleza que está em cada ciclo, especialmente quando
tudo torna-se um só!...
Poucas pessoas têm visitado os
esquecidos. São os que "estragam" a fotografia. Talvez você e eu
também estamos esquecidos. Doentes, entristecidos, envelhecidos? Se não estamos
hoje, mas e amanhã?
O que dá pra ver em diferentes cores e tons de um ecossistema pulsante que parece ser chamado a morte? Tudo no seu tempo para ressurgir com a força que brota da terra irrigada pelo choro de Deus!
| João-de-barro está? Caldas - 2015 |
Pude também registrar momentos de reencontros de pessoas que se amam. Algo extraordinário para ressurgir a alegria aos corações. Rever amigos e amigas. Relembrar vivências. Compartilhar sentimentos, preocupações e projetos. Examinar o interior. Saber que existem diversas lutas silenciosas de superação. Perceber que o momento não é de dar o veredicto, mas de construir um pensamento de amor e paz!
Fui buscar no site
www.dicionarioinformal.com.br o significado de visita após ter escrito as
poucas linhas acima: "Ato de ir ao
encontro de alguém para estar junto." Talvez resuma o que externei,
mas cada um entenderá do seu jeito e isso é que faz a diversidade das ideias. Mas
o que realmente quero é mais que viVER:
viVISITAR!...


Grande Marquinhos, você sempre nos surpreendendo. Que reflexão neste conto, nós nos acostumamos, erroneamente , a somente "curtir, comentar", algumas postagens dos amigos, familiares. Você nos leva a refletir sobre os reencontros. Obrigado. Parabéns! Um abraço carinhoso. Jura.
ResponderExcluirObrigado pelo incentivo! A gente precisa viver mais a inquietude, não é mesmo? Abraço fraterno!
ExcluirÉ, Marquinhos… creio que a tecnologia jamais substituirá as nuances por trás de um retrato, de um objeto especial ou de uma prosa numa mesa com café e queijo. O sentimento, o cheiro, a saudade e a plenitude dessas vivências são únicos! Que bom que podemos usufruir disso na vida real, com os nossos! O mundo nos diz que é muito mais fácil tomar café online com mil desconhecidos, do que reconhecer e visitar quem o está nos servindo, do outro lado da mesa.
ResponderExcluirE parabéns por nos fazer refletir de forma tão bonita como que é importante manter vivas as histórias que vieram antes das nossas!
Obrigado pela mensagem que demonstra sua ternura e cumplicidade para um café com biscoito e broa em Caldas! Viva a nossa amizade!
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